Originalmente publicada na Metropolis Magazine como "The Future of Architecture, According to a North Korean Architect, esta entrevista com Nick Bonner, curador da Seção Norte-Coreana do Pavilhão da Coréia na Bienal de Veneza 2014, investiga as realidades do trabalho de um arquiteto em um dos países mais fechados do mundo.
Há uma boa chance de você nunca pisar na Coréia do Norte, o que não é o mesmo que dizer que você não pode. O interesse no estado socialista é cada vez maior, um fato refletido pelo aumento no número de turistas ansiosos para descobrir os locais e atrações de Pyongyang. Nick Bonner, fundador da Koryo Tours, vem trazendo visitantes para a República Popular Democrática da Coréia (DPRK) há mais de duas décadas. Ele recentemente foi encarregado da curadoria de uma pequena exposição no Pavilhão Coreano na edição deste ano da Bienal de Arquitetura de Veneza.
Para os "Utopian Tours" Bonner encomendou projetos de um arquiteto norte-coreano não identificado, pedindo-lhe para imaginar uma infra-estrutura totalmente nova para acomodar grupos maiores de turistas. As ilustrações resultantes são fascinantes: o futuro da arquitetura, pelo menos na Coreia do Norte, se parece muito com o futuro de ontem, onde os turistas viajam em aerobarcos e os trabalhadores vivem em hotéis em forma de zigurate inspirados em montanhas e árvores.
A revista Metropolis convidou o arquiteto paisagista a mostrar um panorama geral do atual cenário da arquitetura em um dos países mais isolados do mundo.
Justin Zhuang: Você pode nos contar sobre o projeto de curadoria para a Bienal de Veneza? Por que olhar especificamente para o turismo do país?
Nick Bonner: "Utopian Tours" foi a principal exposição que organizamos para o Pavilhão da Coréia [vencedor do Leão de Ouro]. O pavilhão foi originalmente concebido para proporcionar um espaço onde a Coréia do Norte e a Coréia do Sul pudessem realizar uma exposição em conjunto. A Koryo Tours tem trabalhado na Coréia do Norte desde 1993, e nós usamos o próprio turismo para promover o engajamento humano no país.
O turismo nos permite visitar o país mensalmente há mais de 21 anos, e durante este tempo, temos sido capazes de entender melhor os aspectos importantes da vida na DPRK, por exemplo, como o espaço urbano é utilizado e como as pessoas interagem umas com as outras. Viajar para o país durante um longo período de tempo também nos permitiu ver as mudanças que ocorreram nele. Nossa parte da exposição é o resultado deste tempo gasto em Pyongyang; ela mostra não só como a Coréia do Norte retrata a arquitetura, mas também como um arquiteto vê o futuro do turismo sustentável e da arquitetura coreana.
JZ: As ilustrações são incríveis pelo seu estilo de pintura. Essa estética foi intencional?
NB: Os arquitetos norte-coreanos já utilizam CAD, mas eles ainda são ensinados a ilustrar edifícios através de pinturas à mão com guache. Eu aprendi essa técnica, em meados da década de oitenta, por ser um arquiteto paisagista, e utilizávamos formas ilustrativas semelhantes (embora não tão eficientemente). Nessa época gostávamos de encomendar as ilustrações à artistas e desenhistas profissionais. Agora, evidentemente, tudo é digital.
JZ: A Bienal mostrou um pouco das preocupações e ambições dos arquitetos da Coréia do Norte. Onde estão e como são esses arquitetos? E quais são as suas principais fontes de referência?
NB: A maioria dos arquitetos são formados pela Universidade de Construção de Pyongyang , e todos trabalham para o governo. Como eu disse antes, não há projetos privados. O arquiteto com qual trabalhamos juntos tinha acabado de começar a trabalhar para uma empresa asiática por um período de cinco anos.
Existem vários arquitetos norte-coreanos que estudaram no exterior, principalmente em Paris, e isso, certamente, cria uma grande influência européia. Os arquitetos que encontramos estão sempre interessados em estudar a arquitetura contemporânea, não apenas as formas, mas também as plantas e os métodos de construção.
JZ: Como a arquitetura na Coréia do Norte se desenvolveu ao longo das décadas?
NB: Os japoneses (que ocuparam a Coréia entre 1910-1945) influenciaram muito a arquitetura coreana. Durante a Guerra da Coréia (1950-1953), no entanto, Pyongyang foi arrasada e o neoclassicismo soviético pós-guerra tornou-se o estilo dominante. Nos anos 1960 e 1970, a direção mudou de novo, e começaram a aparecer edifícios com uma clara influência e características coreanas (como o Grand People’s Study House na Praça Kim Il Sung), ou projetos que eram muito mais modernistas e originais (como o Ice Rink ).
JZ: Como você descreveria o estado atual da arquitetura na Coréia do Norte?
NB: Cada projeto na Coréia do Norte é um projeto do governo. Existem, no entanto, vários projetos estrangeiros que foram encomendados aos arquitetos norte-coreanos, principalmente museus de guerra e monumentos, etc.
Os principais arquitetos norte-coreanos trabalham no Instituto de Arquitetura Paektusan e têm acesso muito limitado a arquitetura contemporânea. Quando visitar o instituto, você verá uma pequena seleção de obras que vão desde a Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright até o Pavilhão Barcelona de Mies Van Der Rohe, assim como muitos arranha-céus contemporâneos. A exposição limitada não é necessariamente devido à censura do governo; faltam livros e revistas de arquitetura que podem (e provavelmente devem) ser enviados de instituições de arquitetura e design de todo o mundo. Quando levamos as pessoas aos tours arquitetônicos - o próximo se inicia dia 25 de outubro - nós sempre pedimos para que elas tragam livros e revistas de arquitetura.
JZ: O famoso tratado de Kim Jong-Il "Sobre Arquitetura" continua a prevalecer na comunidade de arquitetos norte-coreana?
NB: Este trabalho é o texto base para todos os arquitetos norte-coreanos como seu tratado sobre "A Arte do Cinema" é o texto base para os cineastas norte-coreanos. Estas obras são conjuntos de instruções claras e incontestáveis que apoiam o ensino e a formação dos arquitetos e cineastas norte-coreanos. Isso não quer dizer que todos os projetos e construções arquitetônicas norte-coreanos são idênticos; há uma considerável variedade no estilo de edifícios públicos na DPRK, embora todos dentro dos limites do que é oficialmente patrocinado e visto como "arquitetura contemporânea coreana".
JZ: Quais são alguns dos maiores desafios enfrentados pelos arquitetos norte-coreanos hoje?
NB: A maior limitação enfrentada pelos arquitetos norte-coreanos é a falta de materiais e conhecimento de técnicas modernas de construção. Os arquitetos norte-coreanos são limitados a trabalhar com estruturas de aço ou concreto (não há possibilidade de utilizar paredes de vidro, por exemplo), então, o ofício consiste em ser criativo com qualquer material à disposição.
JZ: Quais são algumas obras de destaque da arquitetura norte-coreana que merecem ser mais valorizadas?
NB: Pyongyang foi totalmente reconstruída após a guerra coreana, apenas três edifícios permaneceram inteiros ao fim do conflito. Eles são, portanto, não apenas exemplos individuais de uma arquitetura de interesse histórico, mas constituem também o plano geral para a reconstrução da cidade como uma "utopia socialista" moderna , que consiste em edifícios monumentais do governo, conjuntos habitacionais em estilo brutalista, parques com tratamento paisagístico, corredores fluviais e avenidas arborizadas.
Há, no entanto, alguns edifícios individuais de enorme valor arquitetônico que devem, sem dúvida, ser vistos em qualquer viagem a Pyongyang.